Monday 26 November 2012

Entrevista: Intranet CMSP


Abaixo, uma matéria lançada na intranet da CMSP em 2009...
Um druida na Câmara Municipal
Claudio, funcionário público, trabalhando em SGA.3
A Câmara Municipal de São Paulo é um dos últimos lugares onde você esperaria encontrar um druida. Manja druida? Aqueles magos de longas barbas brancas dos povos celtas, tipo o Gandalf do "Senhor dos Anéis" ou o Dumbledore de "Harry Potter"? Pois é. Cláudio Quintino Crow, 40 anos, técnico administrativo de SGA.3 (Secretaria de Infraestrutura), é um deles.
Esqueça barbas longas e caldeirões borbulhantes. Para começar, nem todos os druidas que viveram na Europa Ocidental antes de Cristo eram anciãos barbudos. Inseridos em uma cultura que valorizava o feminino, vários druidas eram mulheres. E não eram exatamente magos, ou, pelo menos, não eram só isso. Além de adivinhos e curandeiros, os druidas eram também conselheiros do rei, juristas, legisladores, poetas e contadores de histórias.

E o druidismo, para Claudio, não tem nada a ver com rituais exóticos para serem praticados sob o luar depois do expediente. E é mais do que uma religião − no sentido de que não é uma crença para ser celebrada com orações e cerimônias em dias marcados. É um jeito de saber viver que ensina a ver todo lugar e momento como sagrados e a agir com honra em todas as atividades do dia a dia.

− Eu não oro, eu vivo − é como Claudio explica sua relação com o druidismo.

No começo, contudo, foram mesmo os magos barbudos da lenda e da cultura pop que despertaram o seu interesse pelos druidas. Tinha pouco mais de dez anos e se chamava apenas Claudio Quintino quando conheceu seus primeiros druidas: o mago Merlin, dos livros sobre o lendário rei Arthur, e o druida Panoramix, dos gibis de Asterix. A partir deles, o menino passou a ler tudo o que encontrava sobre druidas e celtas − povo europeu da Antiguidade que deixou suas marcas, principalmente, na Irlanda, no Reino Unido e na Gália.

Com 16 anos, Claudio começou a trabalhar na Câmara como auxiliar de serviços gerais - e gastava boa parte do salário em livros importados, já que a bibliografia em português sobre seus temas favoritos era escassa. Naqueles tempos anteriores ao Google, a vida não era nada fácil para um office-boy autodidata da zona sul de São Paulo, obrigado a comprar as obras aleatoriamente, sem qualquer referência de qualidade. Irredutível, desbravou centenas de livros de história, antropologia, arqueologia, mitologia. A essa altura, o moleque que curtia histórias de cavaleiros andantes da Távola Redonda cedia lugar a um pesquisador da cultura celta.

As leituras fascinaram Claudio com histórias de uma cultura da Antiguidade que colocava homens e mulheres em pé de igualdade e via o sagrado em todos os aspectos da natureza. Ficou convencido de que a humanidade havia perdido muito com o desaparecimento da espiritualidade celta.
− Um rio, por exemplo, era para os celtas o corpo de uma divindade. Poluir um rio seria como destruir um deus − compara.

Em 1996, o fascínio o empurrou para uma viagem pelos pontos míticos da Irlanda, onde uma tarde chuvosa marcaria sua vida. Sobre a pequena colina de Tara, considerado "o coração espiritual da Irlanda celta", Claudio sentiu os olhos mareados e experimentou a sensação de voltar para casa. Nos anos seguintes, entrou em contato com estudiosos que buscavam reconstruir a espiritualidade druida, baseado nos vestígios deixados pela civilização celta. Após uma segunda viagem a terras irlandesas, em 1999, tornou-se representante brasileiro da The Druid Network, maior organização druídica internacional.

Naquela época, Claudio adotou o nome de Crow e fez sua primeira tatuagem, a imagem do corvo que esvoaça em seu braço direito.

− O corvo é um mensageiro entre a nossa realidade e os outros mundos. É o que procuro ser, sem qualquer sombra de presunção − diz.
Claudio, músico, cantando em celebração do Ano-Novo Celta no pub paulistano O’Malleys
Como um corvo, Claudio busca trazer para a atualidade as mensagens do mundo druídico e da cultura celta por meio de cursos, workshops, palestras, do seu site www.claudiocrow.com.br e da música. Tocando violão e “tin whistle” (flauta doce de metal tradicionalmente irlandesa), realiza shows de música tradicional irlandesa em que alterna canções com histórias, mitos e curiosidades, tanto em apresentações solo como acompanhado de amigos.

Já publicou dois livros sobre a espiritualidade celta − "A Religião da Grande Deusa" (Gaia) e "O Livro da Mitologia Celta" (Hi-Brasil) −, mas não tem planos de escrever outros. Claudio não gosta de como o papel cristaliza em texto as suas ideias, que estão sempre em movimento. “Hoje não aproveitaria nem 50% do primeiro livro que escrevi”, conta. O veículo ideal para o corvo levar suas mensagens é mesmo a internet, que permite a Claudio atualizar os textos à medida que faz novas descobertas e revisa suas noções.
Foi em um de seus cursos que Claudio conheceu Carina, com quem foi casado por quatro anos. Eles têm uma filha de dois anos chamada Brigitte − em homenagem à deusa Brighid, que o cristianismo transformou em Santa Brígida, uma das várias heranças deixadas pela tradição celta na cultura ocidental.

Claudio, pesquisador, realizando palestra no III International Symposium of Irish Studies (2008), na Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Dono de uma barba ainda muito curta e escura para ser identificada com a imagem popular dos velhos druidas, Claudio carrega outras duas tatuagens. No seu braço esquerdo, floresce uma árvore, numa referência à origem do termo druida, que significa "aquele que tem a sabedoria do carvalho". A imagem resume o ideal de perfeição que os druidas almejavam: um ser que consegue sobreviver em harmonia com o que o cerca, mesmo sem se mover nem destruir outras vidas. A terceira tatuagem é o lema do mitólogo Joseph Campbell, "Follow your bliss", que Claudio traduz como "Siga o que o torna pleno".

É essa plenitude que permite a um druida de barba e tatuagens se adaptar a uma realidade aparentemente tão diferente que é trabalhar no expediente de SGA.3, cuidando da tramitação de documentos relacionados à infraestrutura da Casa. É que, segundo a visão druida, não há oposições: todas as diferentes realidades fazem parte de uma unidade, ensina Claudio.

− Todo o universo é feito da mesma matéria e tudo está conectado − afirma. Corpo, mente e espírito devem estar em união. O corpo sem o espírito cai no materialismo. A mente sem o corpo transforma você num nerd. E o espírito sem o corpo o deixa alienado.

Para o trabalho e a vida, vale a mesma visão de integridade, plenitude e honra.

− Como eu disse, eu não oro, eu vivo. Todo lugar e todo momento é sagrado. O meu trabalho é sagrado, porque me permite comprar meus livros e educar minha filha. Por isso, eu honro o que faço trabalhando da melhor forma possível.

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