Tuesday, 18 June 2013

A Mãe, a Menina, o Torpor e o Chico


A Mãe, a Menina, o Torpor e o Chico

Submetida às constantes oscilações de humor da mãe alcoólatra, a jovem adolescente vive uma vida emocionalmente instável entre o amor quase incondicional que une mãe e filha e a inevitável repulsa pelo indivíduo que, conscientemente, entrega-se à sua própria ruína.

No dia-a-dia, a menina tem de cozinhar para ambas, limpar a casa, agüentar os destemperos e a falta de regras da mãe – apesar de na maior parte do tempo sua vida ser uma provação, os poucos momentos em que a mãe aflora por trás da alcoólatra são compensadores: os afagos, as conversas amistosas e os risos cúmplices de ambas nesses momentos são o fio de esperança que sustenta a filha, que a faz projetar um futuro melhor para ambas, para o mundo delas. Passados esses raros momentos, a mãe mergulha em seu torpor embriagado e a menina volta ao torpor da angústia e do trabalho duro, sempre à espera do próximo lampejo que lhe refaça a energia e restaure a esperança.

O que parece a sinopse de um livro de alguma escritora irlandesa do século XX é, na verdade, uma alegoria. Uma metáfora, uma simplificação de sentimentos que me invadem quando o assunto é o Brasil.

Assim como o clichê do pintinho que toma por mãe a primeira criatura que vê ao sair do ovo, é evidente que amo o Brasil pelo simples fato de aqui ter nascido. Por mais embriagada que seja, esta é minha nação, este é meu país. Esta é minha terra. Muitas vezes, essa ‘pátria amada, mãe gentil’ me embaraça: dói-me o torpor coletivo de nós todos, sua gente – nós todos juntos somos a filha dessa mãe, por vezes tão bêbada. (É óbvio, falo da nação, não da terra.)

Amar alguém que nos destrata não é fácil. O amor de verdade não é algo que simplesmente se descarte, não é algo que se abra mão com leveza: por vir de dentro, lá do fundo, o amor é uma parte de nós. Quando esse amor não é correspondido, o resultado é dor: adoecemos, o pêndulo balança, e o amor se torna raiva. É inevitável imaginar a menina fictícia deitada aos prantos em sua cama após mais uma briga com a mãe, após mais uma desilusão. Em muitos momentos, nossa relação de brasileiros com o Brasil é igual: atiramo-nos chorando sobre nossos travesseiros, amaldiçoando nossa condição, tentando em vão livrarmo-nos desse vínculo; xingamos, diminuímos, ofendemos, esperneamos, negamos... para depois, passada a fúria, voltarmos à consciência de que essa é a nossa natureza: somos filhos dessa mãe e, por isso, a amamos. Nossa aparente raiva é a única defesa desse sentimento que nos faz ser quem somos.

Ontem, como em raríssimos momentos recentes, foi um momento em que senti a mãe carinhosa e otimista por trás da escura nuvem do torpor brasileiro. Os próximos dias dirão se foi um breve lampejo de sobriedade ou um passo rumo a algo novo, diferente, verdadeiramente transformador: se foi um respiro entre dois torpores ou se foi o primeiro passo rumo a uma desintoxicação permanente.

Assim como a menina fictícia do primeiro parágrafo, a dor dos tempos passados me torna um tanto descrente, um tanto cético: temos medo da desilusão, temos medo do trauma de ver mais uma vez a esperança que brota ser atirada à lama.
Por outro lado, é justamente o amor filial que mantém viva essa esperança: como uma brasa, basta uma leve brisa para que a labareda da esperança se erga.



No fundo, eu e a menina do texto – e imagino, muitos outros brasileiros – temos medo do tombo da desilusão de, mais uma vez, alimentarmos o fogo da esperança. Ao mesmo tempo, tudo o que eu, a menina do texto e, imagino, muitos outros brasileiros queremos é justamente uma brisa que nos acalente, que nos traga forças para olhar adiante e esperar: “desta vez, a coisa muda.”

Pode até vir o tombo: por ora, tudo o que eu quero é abraçar e sorrir junto com minha Mãe Brasil. “Amanhã vai ser outro dia”.

© 2013, Claudio Quintino Crow - Proibida a reprodução total ou parcial da obra sem a prévia e expressa autorização por escrito do autor. Lei Federal 9.610/98. www.claudiocrow.com.br


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